DETERMINAÇÃO DO SEXO E IDADE NA GALINHOLA
Os exemplares abatidos durante cada período venatório constituem uma fonte de informação muito importante para a gestão cinegética. Entre outros parâmetros, a estrutura demográfica (por exemplo, relação machos/fêmeas, relação jovens/adultos) e a produtividade (por exemplo, jovens/fêmea adulta) poderão ser avaliadas anualmente, sendo necessário o registo do sexo e idade de um número de animais representativo do total abatido. Estes parâmetros populacionais dificilmente podem ser obtidos de outra forma.
Apresentam-se de seguida os métodos mais adequados à determinação do sexo e idade dos exemplares de Galinhola obtidos durante o período venatório (Outono-Inverno).
Na Galinhola não existe nenhuma característica exterior que permita distinguir o macho da fêmea.
Internamente, o macho apresenta dois testículos (Figura 1), que em fase de repouso sexual (Setembro - Janeiro) são do tamanho de um pequeno feijão. Em período de reprodução (Fevereiro - Agosto) atingem cerca de 35 mm de comprimento e 10 mm de largura (Fadat, 1995).
A fêmea possui um único ovário, situado do lado esquerdo da cavidade abdominal (Figura 1), constituído por um agregado de folículos arredondados, de cor branca, parecendo um cacho de uvas. Em fase de repouso sexual os folículos têm um diâmetro inferior a um milímetro. Em período reprodutivo alguns engrossam rapidamente para atingir o tamanho de pequenas ervilhas (Fadat, 1995).
O sexo também pode ser determinado através da análise genética (do DNA), em aves vivas (utilizando, por exemplo, amostras de sangue, recolhido por picada numa veia subalar) ou mortas (basta um pouco de tecido).
FÊMEA MACHO
Figura 1 - Distinção de sexos pela observação direta das gónadas (retirado de Gonçalves e Machado, 2004).
Utilizando caracteres internos e/ou externos, é possível distinguir duas classes de idade na Galinhola:
* Jovens - aves que ainda não completaram um ano de vida, ou seja, nasceram na última época de reprodução.
* Adultos - aves que completaram um ano ou mais de vida, ou seja, nasceram em época reprodutiva anterior à última.
O recurso aos caracteres anatómicos internos implica a abertura da cavidade abdominal.
A Galinhola, como todas as aves, apresenta durante os primeiros meses de vida uma glândula linfoide designada por "bolsa de Fabricius". Esta está situada entre o reto e a parede dorsal do abdómen (Figura 2), comunicando com a cloaca, e tem uma forma de coração ou de pera de 1 a 2 cm de comprimento durante o primeiro mês. Depois torna-se cilíndrica, diminuindo progressivamente de diâmetro até tomar um aspeto filiforme antes de desaparecer, ao fim do quarto ou quinto mês de vida, no Outono ou Inverno (Clausager, 1973; Fadat, 1995).
Se esta glândula for visível, está-se, de certeza, perante uma ave jovem.
Figura 2 - Localização da bolsa de Fabricius; esquerda: a cavidade abdominal foi aberta, as vísceras deslocadas (intestino foi levantado e puxado para trás); direita: esquema com detalhes (adaptado de Larson & Taber, 1980).
Os caracteres anatómicos externos utilizados para distinguir jovens de adultos estão relacionados com aspetos da plumagem, isto é, com a sequência da muda (substituição das penas), que é diferente entre as duas classes de idade.
Assim, ainda antes do final do primeiro mês de vida, a plumagem dos juvenis começa a ser renovada, iniciando-se normalmente pelas penas do dorso. A muda atingirá várias partes do corpo, sendo que, na asa, não são mudadas as rémiges primárias (ver Figura 3) nem as coberturas primárias superiores. É uma muda parcial.
Nas aves adultas, após a época de reprodução, a muda é mais abrangente, sendo que na asa, todas as penas são renovadas. É uma completa.
Em ambas as classes de idade, normalmente as penas da cauda (retrizes) são renovadas na totalidade, iniciando-se pelas retrizes mais externas, de ambos os lados, e prosseguindo para o interior, em direção ao par mais interno.
Em algumas aves jovens, sobretudo a partir de Outubro, é possível observar, nas asas, a presença simultânea de penas de jovem e de adulto (plumagem mista), não havendo penas em crescimento. Ou seja, a muda não foi completada, estando-se na presença de uma muda "suspensa" ou "bloqueada". Normalmente esta situação está associada à necessidade de iniciar a migração, antes que a muda possa ser terminada, levando a que a ave permaneça com essa plumagem durante cerca de um ano, até ao próximo período de muda pós-reprodutiva.
Figura 3 - Parte superior de uma asa de Galinhola, com indicação de alguns conjuntos de penas.
Para a distinção entre as duas classes etárias, os critérios mais fiáveis são a análise do desgaste da extremidade das rémiges primárias e a ornamentação das coberturas primárias superiores (Figura 4). Outros caracteres podem ser utilizados a título complementar.
Desgaste da extremidade das rémiges primárias
As aves jovens apresentam as rémiges primárias (sobretudo as mais exteriores) mais gastas do que as dos adultos, dado que, como referido anteriormente, não mudam estas penas no primeiro ano. O contorno da extremidade é irregular, mais ou menos denteado, enquanto no adulto é regular sem denteados visíveis a olho nu (Figura 4). Em alguns jovens nascidos tardiamente este desgaste pode não ser evidente, dificultando a determinação da sua idade exclusivamente com base neste critério.
Ornamentação da extremidade das coberturas primárias superiores
As coberturas primárias superiores terminam numa franja bilateral, em forma de menisco. Esta franja é diferente nos jovens e adultos.
Nos adultos a franja é de cor clara (ocre) ou quase branca e estreita, da ordem do milímetro na sua maior largura. Esta cor clara contrasta fortemente com as outras manchas da pena (ver Figura 4 e 5). As franjas podem estar manchadas de preto nas coberturas mais internas. (Clausager, 1973; Lucio et al., 1993; Fadat, 1995).
Nos jovens a franja é de cor castanha, da mesma cor das restantes manchas das coberturas (ver Figuras 4 e 5). A largura da franja, para as penas mais externas, é de cerca do dobro da dos adultos. A cor castanha pode desbotar em direção ao exterior da franja, fazendo-a parecer mais clara no seu contorno externo. O contraste de coloração é, apesar disso, menor do que nos adultos (Clausager, 1973; Lucio et al., 1993; Fadat, 1995).
Presença de penas juvenis
A presença de penas juvenis nas coberturas secundárias e retrizes é um critério complementar para a determinação da idade na Galinhola (Larson & Taber, 1980).
Com base na existência de penas juvenis nas coberturas secundárias superiores, Fadat (1995) distingue jovens precoces e tardios:
* Jovens precoces - as aves jovens que já não possuem penas juvenis nas coberturas secundárias.
* Jovens tardios - as aves jovens que ainda apresentem penas juvenis nas coberturas secundárias.
Estando isto relacionado com as datas de eclosão e a sua origem geográfica, jovens que não completaram a muda das coberturas secundárias geralmente nasceram mais tarde e virão de regiões mais a Norte/Este do que aqueles que já completaram essa muda, provavelmente de origem mais ocidental ou médio-europeia (Fadat, 1995)
Coberturas primárias Rémiges primárias
JOVEM
Coberturas primárias Rémiges primárias
Figura 4 - Diferenças entre aves adultas e jovens na ornamentação da extremidade das coberturas primárias superiores e no desgaste das extremidades das rémiges primárias mais exteriores (retirado de Gonçalves e Machado, 2004).
Adulto Adulto Jovem Jovem
Figura 5 - Mais exemplos de diferenças entre aves adultas e jovens na ornamentação da extremidade das coberturas primárias superiores.
David Gonçalves1,2 e Tiago Rodrigues1,2
1 CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto
Campus Agrário de Vairão, Rua Padre Armando Quintas, 4485-661 Vairão
2 Departamento de Zoologia e Antropologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua Campo Alegre s/n, 4169 - 007 Porto
Referências
Clausager, I., 1973. Age and sex determination of the Woodcock (Scolopax rusticola). Danish Revue of Game Biology 8:1-18
Fadat, C., 1995 - La Bécasse de Bois en Hiver. Écologie, Chasse, Gestion. Edição do autot. Clérmont-l Hérault.
Larson, J. & Taber, R.D., 1980 - Criteria of sex and age. In Sanford Schemnitz (Ed.), Wildlife Management Techniques Manual, pp 143-202, The Wildlife Society. Washington DC.
Lucio, A., Buruaga, M.S., Purroy, F., 1993 - La Becada. Departamento de Agricultura de la Diputación Foral de Bizkaia.